terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Há 30 anos o primeiro Rock in Rio vinha para mudar o rock no país


Em janeiro próximo (2015) vão se completar 30 anos da primeira edição do festival “Rock in Rio“, que aconteceu na capital carioca entre 11 e 20 de janeiro de 1985. Logo aparecerão dezenas de matérias e artigos, nas mídias oficiais e amadoras sobre tal comemoração, então não gostaria de ter nesse (breve) relato os dados apenas informativos. Quem naquela época começava a respirar o rock no Brasil sabia das galácticas dificuldades de se ter acesso a bandas e informações. O Brasil estava se desvencilhando de um panorama político comandado por quase duas décadas de chumbo, onde a liberdade artística (em qualquer área) era controlada com rigor pelo poder militar. O pop-rock brasileiro começava a frequentar rádios e programas de TV, em nomes como Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho e asseclas. O rock-bruto e prog-rock de grupos da década anterior passavam como meros desconhecidos do grande público (Secos, O Terço, Made in Brazil, Casa das Máquinas, Som Nosso, etc), relegado apenas a afortunados que tinham contato com aquela cena.

No segundo semestre de 1984, a senhora Rede Globo anunciava um grande festival de rock no país, e estampava em seus intervalos comerciais gente como Queen, Iron Maiden, Scorpions, Yes, AC/DC, Ozzy. Era um sonho, algo surreal para garotos que, como eu, começavam a consumir aquelas bandas. Algumas publicações enxertavam as bancas de revistas com biografias e matérias de tais grupos, alimentando ainda mais o conhecimento e ansiedade daquela geração de rockers, que se recusou a aceitar que o pop-rock nacional tão em voga era o que melhor o mundo do entretenimento podia lhes oferecer.



Uma das características que gerou polêmica, revolta e gozação foi o fato de que, um festival que levava o termo “rock” no nome, trazia em seu cast artistas de música pop, regional e MPB, característica essa que se repetiu nas edições que ocorreram nos próximos trinta anos. Quando adolescente sentia-se a revolta de ver nomes como Erasmo Carlos, Eduardo Dusek, Alceu Valença, Elba Ramalho e até mesmo artistas internacionais como All Jarreou, James Taylor e Nina Hagen. 

Hoje, malhados com a sabedoria do tempo, vimos que aquilo sempre foi uma estratégia comercial, que, mesmo aborrecendo até hoje a geração de jovens rockers, permitiu que o Brasil recebesse gigantescas formações do rock mundial, entre rock clássico, hard rock e heavy metal.
Após a realização desse festival, o país, aliado a uma brisa fresca de democracia que se respirava em toda parte, passou a ser rota internacional de médias e grandes bandas. Centenas de discos (antigos e novos) foram lançados no mercado fonográfico local. Milhares de novos grupos foram formados, inspirados pela força de exposição daqueles shows. Alguns podem discordar, mas o rock tupiniquim era um antes do Rock in Rio e foi outro depois.



A Rede Globo transmitiu quase todos os shows, coisa rara se imaginarmos os padrões popularescos de hoje em dia. Ver um Iron Maiden no ápice da “World Slavery Tour”, um Queen que reinava no showbiss há muitos anos, um Ozzy (que a despeito da condição física desfavorável) com seu sempre fantástico repertório, um Scorpions totalmente desconhecido por aqui, mas que realizou shows enérgicos e inesquecíveis, o Whitesnake, que veio substituindo o Def Leppard (pelo acidente com seu baterista, que lhe custou um braço), fez apresentações memoráveis e um AC/DC que sempre conquistou qualquer público com seu hard visceral, foram momentos que inspiraram toda uma geração e trouxeram mudanças na orientação e aceitação da música rock no país.




Era uma época de ingenuidade, sonhos, ideologia para aquela geração. Anos depois, muitas bandas que se formaram naquela época varreram o mundo. Várias outras edições ocorreram, sempre trazendo os nomes mais bem sucedidos de suas épocas, mas quem vivenciou aqueles dez dias, mesmo aqueles que não puderam estar presentes na Cidade do Rock, construída especialmente para evento, pode atestar o impacto e a importância de tal evento no desenvolver de sua paixão pela arte do rock, seja como consumidor, colecionador, produtor ou músico.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Covers versus Autoral

    Uma discussão que sempre rodeia consumidores de rock e músicos que o produzem é relacionada ao perfil de repertório que as bandas devem apresentar em seus shows. Muitas bandas se recusam a fazer covers por pensar que não existe nada mais importante do que mostrar seu trabalho autoral. Outras apenas reproduzem músicas de outras bandas, não se importando muito com composições próprias. Este tipo de divergência existe desde que o rock nasceu. Grupos seminais como Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin, Deep Purple tocavam covers quando davam seus primeiros passos no mundo da música. Através das gerações, bandas iniciaram mostrando-se para o público as melodias de músicas de artistas invariavelmente já consagrados. No Brasil e em Rio Preto, onde a cena do rock puro (esqueçamos o pop-rock) vive às margens da mídia e das grandes produções artísticas, seja no mercado de shows e fonográfico, essas opções se tornam uma escolha necessária quando o objetivo é sobreviver da música.
       
      Não existe um lado correto, ou um lado menos respeitável ou ideologicamente louvável. O músico em geral adoraria tocar 15 músicas próprias de sua banda durante uma apresentação, mas isso depende para que tipo de público ele está se apresentando. Bares-rock, onde o perfil do consumidor geralmente é daquele fã de hits de rock, que talvez mal conheça uma segunda ou terceira música de uma grande banda, está consumindo, pagando e gastando para ouvir as músicas (hits) que gosta. O proprietário do local vai mantê-lo funcionando com a constância desse tipo de público e vai continuar querendo que o artista que ali se apresente execute os temas que sua clientela espera. Este artista, para ter espaço e continuar a receber pelo seu trabalho de ensaiar, se estruturar e executar a música ao vivo, tem que levar os tão desejados covers para este tipo de fã.
    
    É claro que, muito consumidores de rock também tem aquele lado cult de querer conhecer as músicas próprias da banda, conhecer suas letras, suas passagens melódicas, seus arranjos, suas performances. Para este tipo de fã, os grandes hits das grandes bandas do mundo são consumidos em casa, em seu carro, em seu celular. Esse tipo de repertório é visto com mais frequência em festivais de bandas, onde quando não existe exclusividade no set autoral, existe uma mescla com covers. Isso é bem comum. Quando ouvimos pela primeira vez um disco de músicas inéditas de uma veterana banda, elas não soam accessíveis ou familiares de imediato. E estamos falando de nossas bandas favoritas, experientes, com 20, 30 ou 40 anos de carreira, com 15 discos lançados, e falando de música (bem) produzida e mixada, normalmente exalando o mais perfeito nível sonoro. Imagine a reação ao ouvir uma pela primeira vez, música própria, de uma banda underground e ao vivo.
    
      Outro detalhe a se considerar é que, mesmo para uma banda que privilegia a execução de covers, existe a dificuldade de estar entrosada e pronta, com muito trabalho em ensaio, para que a reprodução seja tão perfeita, ou no mínimo parecida, com a original. E, que os músicos que executam esses covers também têm o prazer de tocá-los ao vivo. Afinal, eles são tão fãs de rock quanto os mais diversos perfis de fãs que vão vê-los tocar ao vivo. De certa forma, paira sobre as pessoas que gostam de rock a reflexão acerca da carreira de uma banda. Tocar covers em bares seria definir que a carreira de uma banda se resume a esse circuito? A falta de um disco de músicas autorais para divulgação em âmbito nacional representa um processo de estagnação no crescimento musical e profissional de um artista (banda)? Um modelo híbrido de tratar o repertório de uma banda, agradando todo tipo de público, é a saída para se pensar num futuro na cena? O interesse popular por um ou por outro tipo de repertório muda de geração para geração?

       
    As respostas para essas perguntas talvez repousem com nosso bom e velho amigo tempo. O sucesso ou encerramento de uma banda pode nos ajudar a pensar nessas respostas, afinal, num momento em que o mundo não quer pagar mais para ouvir música, que futuro pode ter um artista autoral fora do circuito underground?


* Trecho extraído do livro "A HISTÓRIA DO ROCK DE RIO PRETO", 856 páginas, de Júlio Verdi, lançado em 2013. Mais informações em: http://historia-rock-rp.blogspot.com/

sábado, 28 de junho de 2014

O que é ser um fã de heavy metal aos 50 anos

O heavy metal chegou ao Brasil no começo dos anos 1980. Muita gente que ouvia rock clássico de Beatles, Stones, Led Zeppelin, The Who, Floyd, Deep Purple e Black Sabbath (o mais pesado da turma) começava a ter contato com uma música pesada, rápida e melódica, em nomes como Iron Maiden, Judas Priest, Saxon, Motorhead, Accept, Mercyful Fate, Venom. Jovens que, a partir de cerca de 15 anos, começava a enxergar beleza sonora em música mais agressiva e impactante. O visual, que mesmclava cabelos compridos, calça jeans surrada, camisetas pretas e braceletes, chocava e impressionava uma sociedade até então com resquícios do conservadorismo de décadas atrás.

Esses mesmos jovens passaram pela década de 1980, admirando outros estilos ainda mais enérgicos que surgiam dentro da família heavy metal, como Thrash Metal, Death Metal, Doom Metal. Nomes como Metallica, Slayer, Exodus, Kreator, Destruction, Morbid Angel (sem citar nomes mais “cult” dentro do undergroud)  conquistaram a afeição de boa parte dos amantes de heavy metal na segunda metade daquela década. Bandas agressivas se formavam aos cântaros e várias partes do país. O advento do primeiro Rock in Rio em 1985, com nomes como Ozzy, AC/DC, Iron Maiden, Scorpions e Whitesnake (em que pese algumas delas praticarem hard-rock - tudo era considerado “rock pesado”) popularizou ainda mais no Brasil a aceitação e a procura pelo heavy metal. E nos anos 1990 ainda surgiram outros sub-estilos como o metal melódico e o prog-metal, que continuaram a angariar apreciadores mundo afora.

Pois bem. Aqueles adolescentes entre 15 e 18 anos, que nos anos 1980 se entregaram à idolatria da música pesada estão hoje, em 2014, numa faixa de idade entre 45 e 50 anos. Ou seja, o tempo passou, lá se foram mais de 30 anos. Quem vive o universo do rock sabe que muita gente apenas “passa” pelo estilo. Quando novas fases da vida chegam, ele fica no passado. Mas considerando que muitos daqueles moleques tiverem a paixão pela música metal enraizada em suas veias, é bem compreensível que deverão consumi-la até o último estágio de suas velhices.

É nesse cenário que eu, e muita gente que pertenceu aquele grupo, se encontra hoje. Vieram as faculdades, as namoradas, os casamentos, os filhos, os empregos, os negócios, as dificuldades, os crescimentos sociais e econômicos. Mas o amor verdadeiro pelo heavy metal continuou acompanhando nosso dia-a-dia. Continuamos vendo shows, conhecendo novas bandas, acompanhando notícias, mudanças, declínios e retomadas de grandes nomes. É uma cultura, envolta num universo de informação, que com a massificação da internet tornou-se ainda mais intensa.

De qualquer forma, somo pessoas iguais a quaisquer outras. Trabalhamos, construímos famílias, convivemos socialmente com pessoas de diferentes gostos e níveis culturais. Mas, quando tiramos um tempo para apreciarmos músicas, sempre revisitamos o nosso bom e (hoje) velho heavy metal. Muita gente que lê isso sabe que talvez, seus pais, suas esposas, seus filhos não entendem como podemos ter tanto prazer ao ouvir uma música tão agressiva e inacessível a ouvidos externos. Não entendem como é ver maravilha em riffs tão rápidos, baterias tão forte, vocalizações tão altas e letras tão transgressoras. Talvez nunca entenderão. Mas isso não nos faz pessoas melhores, piores, mais ou menos competentes, atenciosas, amorosas, sem foco nem objetivos na vida.

Evidentemente que já passou por nossas cabeças sermos discriminados, sermos preteridos, não termos credibilidade no quesito “cidadão de moral e idoneidade”. Mas não há problemas. O problema está em quem nos enxerga de forma diferente. Vamos considerar: Ozzy Osbourne tem 65 anos, Rob Halford tem 63, Steve Harris tem 58, James Hetfield tem 51. No Brasil, gente de bandas como Sepultura, Korzus, Dr. Sin, Taurus, Dorsal Atlântica, Ratos de Porão, tem mais de 40 anos e estão por aí fazendo música.

Pessoas envolvidas na produção de música (bandas, estúdios, lojas, shows) vivem num universo marginal no mercado da música no país, produzindo-a muitas vezes de forma muito mais ideológica do que mercadológica. Mas eu estou falando do consumidor de heavy metal, que tem suas prioridades profissionais bem longe do universo musical. Pessoas que se apegam na música metal como sendo seu refúgio, seu divã, sua válvula de escape em relação aos problemas de incertezas de nosso cotidiano.

Seremos talvez sempre incompreendidos, não estamos no âmago da produção musical e levamos nossa vida junto ao padrão social comum de todo mundo, como se suportássemos as condições de sobrevivência social e econômica pra termos nossas boas horas juntos a nossos CDs e DVDs.

Pelo menos onde vivo, quando conversamos com gente de 60 pra cima, difícil encontrar quem conhece a fundo a cultura do rock dos 1960. Ouvir Beatles é fácil. Difícil e conhecer músicas como “Blackbird” ou "Octupu's Gaden", e difícil é ouvir desses mesmos caras admitir que conhecem discos “Band of the Run” ou “Venus and Mars”, do Wings. Agora, eu acho meio difícil que daqui há 20 anos, eu não saiba de cor a discografia do Iron Maiden, por exemplo. Essa é a realidade da primeira geração de pessoas no Brasil que se apaixonaram por heavy metal. E quem realmente gosta disso, vai gostar aos 60,70,80, 90.